Gosto muito dos textos da Martha Medeiros, jornalista e escritora brasileira.
Em um de seus textos ela fala sobre “a
dor que dói mais: a saudades”. Sentir saudades é inevitável em nossa
existência. Sentimos saudades de uma pessoa, de um lugar, de um
animalzinho de estimação e até mesmo do gosto de um sorvete de nossa
infância. Sentir saudades é um bom sinal de que gostamos do que nos faz
falta no momento. Somos passado, presente e futuro ao mesmo tempo.
Então, quando sentimos saudades no presente (falta), estamos ligados ao passado (lembrança) e ao futuro
(o que fazer com essa saudade? ver fotos das pessoas ou animaizinhos
queridos, procurar por algum sorvete parecido com o da infância,
revisitar lugares que nos tragam memórias…).
“Trancar o dedo numa porta dói. Bater
com o queixo no chão dói. Torcer o tornozelo dói. Um tapa, um soco, um
pontapé, doem. Dói bater a cabeça na quina da mesa, dói morder a
língua, dói cólica, cárie e pedra no rim.
Mas o que mais dói é saudade.
Saudade de um irmão que mora longe. Saudade de uma cachoeira da infância. Saudade do gosto de uma fruta que não se encontra mais. Saudade do pai que já morreu. Saudade de um amigo imaginário que nunca existiu. Saudade de uma cidade. Saudade da gente mesmo, quando se tinha mais audácia e menos cabelos brancos. Doem essas saudades todas.
Saudade de um irmão que mora longe. Saudade de uma cachoeira da infância. Saudade do gosto de uma fruta que não se encontra mais. Saudade do pai que já morreu. Saudade de um amigo imaginário que nunca existiu. Saudade de uma cidade. Saudade da gente mesmo, quando se tinha mais audácia e menos cabelos brancos. Doem essas saudades todas.
Mas a saudade mais dolorida é a saudade
de quem se ama. Saudade da pele, do cheiro, dos beijos. Saudade da
presença, e até da ausência consentida. Você podia ficar na sala e ele
no quarto, sem se verem, mas sabiam-se lá. Você podia ir para o
aeroporto e ele para o dentista, mas sabiam-se onde. Você podia ficar o
dia sem vê-lo, ele o dia sem vê-la, mas sabiam-se amanhã. Mas quando o
amor de um acaba, ao outro sobra uma saudade que ninguém sabe como
deter.
Saudade é não saber. Não saber mais se
ele continua se gripando no inverno. Não saber mais se ela continua
clareando o cabelo. Não saber se ele ainda usa a camisa que você deu.
Não saber se ela foi na consulta com o dermatologista como prometeu.
Não saber se ele tem comido frango de padaria, se ela tem assistido as
aulas de inglês, se ele aprendeu a entrar na Internet, se ela aprendeu a
estacionar entre dois carros, se ele continua fumando Carlton, se ela
continua preferindo Pepsi, se ele continua sorrindo, se ela continua
dançando, se ele continua pescando, se ela continua lhe amando.
Saudade é não saber. Não saber o que
fazer com os dias que ficaram mais compridos, não saber como encontrar
tarefas que lhe cessem o pensamento, não saber como frear as lágrimas
diante de uma música, não saber como vencer a dor de um silêncio que
nada preenche.
Saudade é não querer saber. Não querer
saber se ele está com outra, se ela está feliz, se ele está mais magro,
se ela está mais bela. Saudade é nunca mais querer saber de quem se
ama, e ainda assim, doer.”
(Martha Medeiros)
Tem uma dor que é
a que mais dói. A dor das coisas mortas. A dor final. Uma dor em estado
bruto, que não se mistura a nenhum outro sentimento. Ela é simplesmente
dor. Não há ansiedade, nem culpa, nem medo. Uma suspensão de
pensamentos e elaborações. Apenas o fim, que não nos dá direito de
resposta. Pedaço arrancado às brutas. Que nos deixa engasgados. E o que
resta é nada mais que a missão de enterrar, de esquecer. De jogar a
terra, dar as costas e seguir adiante.
Essa dor expõe o
maior de todos os vazios, a maior de todas as nossas fragilidades. Nossa
impotência diante do que é fatal. Diante dos vários fins que a vida vai
dando ao que amamos, seja lá o que amamos. Dói quando nossos afetos
morrem. Quando as amizades terminam, dói. Quando relacionamentos acabam.
Dói a morte das nossas paixões, mesmo aquelas que a gente sabia que não
teriam vida longa. Dói o fim dos nossos ciclos, de término tão
previsíveis. Dói quando acaba o colegial, depois a faculdade, e os
amigos se vão. Dói quando é preciso deixar uma casa, uma cidade, um
país. Quando fazemos as malas e mudamos de direção, a vida que a gente
tinha acabou de morrer.
A vida vai
pontuando o fim de cada uma dessas coisas com seu dedo de foice. Não dá
para fugir. Não dá para conter o curso dos acontecimentos. Viver é estar
constantemente de cara com a morte. E o impasse nos é dado a cada
perda: como enterrar aquilo que não queremos deixar para trás? A dor que
dói mais talvez seja essa, na verdade. A dor de deixar morrer. De
enterrar dentro da gente aquilo que já nos foi tirado. Jogar a última pá
de terra, virar as costas e seguir em frente.
É preciso não se
sentir culpado por aceitar a morte. Por ainda estar vivo e ter a
possibilidade de ser feliz. É preciso perdoar a vida, e até mesmo
perdoar o que partiu, pelo abandono não intencional. É preciso aceitar e
entender que o tempo fará seu trabalho de restauração, e que isso não
significa uma ingratidão com o que se foi. Não é uma crueldade enterrar
os mortos. Cruel é seguir carregando-os vida afora.
http://desembolandonovelos.blogspot.com.br/
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