Em entrevista para a CRESCER, a autora, Paula Belmanto, conta como tomou a decisão de lançar Uma Chance para Lucas e fala sobre como outras mães podem ajudar a proteger suas crianças
Simone Tinti
Depois de passar por uma situação traumática como o abuso sexual de um filho pelo próprio pai, uma mãe decidiu alertar outras famílias sobre esse tipo de crime. Para isso, ela lançou o livro Uma Chance para Lucas - a história real de um crime hediondo (Editora da Praça), em que conta sua história. Em suas próprias palavras, uma trajetória "cheia de sonhos, erros, acertos, e também de coragem".
Para preservar o filho, ela assinou o livro com o pseudônimo de Paula Belmanto e também trocou os nomes de todas as pessoas envolvidas, assim como as datas e nomes de cidades. Ela começa a história contando como conheceu Marcelo, o pai da criança, durante uma viagem, e decidiu ter um filho com ele. Divorciada e com um filho já adulto, ela queria novamente ter um bebê. Depois, ela mostra suas dúvidas em relação ao comportamento de Marcelo e a angústia quando descobriu o abuso pelo qual Lucas passou. Ao todo, foram cinco anos de batalha judicial, perícias psicológicas, laudos e conversas com assistentes sociais para que Paula pudesse, definitivamente, destituir Marcelo do poder familiar e suspender as visitas dele ao garoto. Eles nunca foram casados e nem moraram juntos.
Na entrevista que você confere abaixo, ela fala sobre o que mais a ajudou a passar por tudo e também como outras mães podem proteger seus filhos. Confira.
CRESCER: Por que - e quando - você tomou a decisão de escrever este livro?
Paula Belmanto: Decidi escrever porque eu estava num momento dificílimo, de muita pressão, muita indignação. Tinha prometido a Lucas que iria protegê-lo, mas tinha de levá-lo semanalmente para visitas monitoradas com o pai . Lucas foi ficando cada vez mais perturbado, assustado, urinando na cama, agredindo colegas na escola, sem noção de certo e errado. E ainda por cima, Marcelo tinha entrado com processo crime de calúnia contra mim! Eu estava tão mal, que nem trabalhar conseguia mais. Foi quando me sugeriram escrever. No começo foram desabafos, mas aí compreendi que precisaria me ordenar por dentro, tentar entender "como", "quando", "por que" tudo tinha acontecido. Defini um ponto de partida no tempo e segui em frente. Escrever esse livro foi um compromisso de verdade comigo mesma e que me fez muito bem.
CRESCER: O que mais ajudou você a passar por tudo isso?
PB: Amor. Muito amor pelo meu filho. E muita determinação. Um senso de responsabilidade espartano porque Lucas e o futuro dele dependiam de mim e de mais ninguém. Foquei no objetivo e fui até o fim. Minha família me ajudou, os poucos amigos que restaram também. Minha terapia foi fundamental, o trabalho, o próprio tempo. E principalmente a sentença do Poder Judiciário, protegendo Lucas. Pude cumprir minha promessa com ele e resgatar boa parte da culpa que senti por não ter percebido antes.
CRESCER: Você escreveu este livro pensando em alertar as famílias. Acredita que a obra já está cumprindo esse objetivo?
PB: Meu desejo é que o livro, com meus tantos erros e meus poucos e definitivos acertos, consiga de alguma forma ajudar alguma criança. O abuso sexual infantil já é um problema seriíssimo. E quando ele acontece dentro da família é ainda muito, muito mais doloroso e difícil de ser enfrentado. O livro é só uma humilde contribuição para que um dia a dignidade da criança possa ser uma realidade.
CRESCER: Quais foram os indícios que levaram a descobrir pelo que Lucas passou? Qual foi sua primeira reação ao descobrir o que aconteceu - imagino que a culpa tenha sido algo que você sentiu logo no início...
PB: Os indícios que Marcelo deu foram vários, mas eu só descobri escrevendo o livro, ou depois que Lucas me contou. A última coisa que passa pela cabeça de uma mãe é que seu filho praticamente bebê sofra abusos sexuais do próprio pai. Com toda a informação que se tem hoje, isso ainda é "impensável" para pessoas minimamente saudáveis e civilizadas. Mas naquele tempo nem se falava em abuso sexual de crianças. Por parte de Lucas, os indícios que deu foi chorar e gritar de madrugada. Usar palavras que não faziam parte do vocabulário da casa, querer dar beijo de língua. Eu fui atrás para entender o que estava acontecendo. Fui me informar na escola, cheguei a mandar a empregada embora! Mas precisou o próprio Lucas, que mal falava direito, me contar e gesticular o que o pai vinha lhe fazendo! Afora o esforço sobre-humano para não explodir na frente do meu filho, na noite em que descobri o que aconteceu senti o mais completo e desconsolado desespero, uma revolta absurda! Eu teria feito qualquer coisa, qualquer uma para que ele nunca tivesse tido de passar por isso! Sensação de crime debaixo do meu teto. Culpa, vergonha e nojo indescritíveis. Vontade de quebrar tudo. Não dá mesmo pra descrever. Nem no livro eu consegui, porque não existem palavras. Passei aquela noite em claro e liguei para meu advogado às 8 horas da manhã.
CRESCER: Quantos anos o Lucas tem hoje? E como ele reagiu à publicação do livro?
PB: Lucas já é adolescente. Assiste televisão e sabe que não foi o único. Sabe também que existem muitas crianças passando por isso neste exato momento e se sente tranqüilo pela possibilidade de ajudar. Já me pediu para ler o livro algumas vezes, mas por mais que ele saiba toda a verdade, eu não deixo. Quero preservá-lo. Respondo que é um livro para adultos e que quando ele for adulto poderá ler.
CRESCER: Você acredita que é possível combater o abuso sexual? Como?
PB: O problema do abuso intrafamiliar pode e deve, sim, ser combatido. É uma questão gravíssima que compromete o desenvolvimento psíquico, social, afetivo e físico da criança e deve ser denunciado sempre, sob pena de se sacrificar todo o futuro da criança. Por isso é fundamental que as pessoas e as famílias tenham informação sobre o assunto e que o Estado aprimore a assistência judicial, psicológica e social às vítimas e suas famílias.
CRESCER: O que você recomendaria às mães como maneira de proteger os filhos?
PB: Antes de tudo, se informar o máximo possível. Ensinar aos filhos desde cedo que o corpinho deles é deles. Estar atenta a mudanças de humor. No mais, cultivar o ingrediente mais simples e principal de todos: o amor. Amor envolve relação de confiança, de afeto com a criança. Crianças abusadas quase sempre são também ameaçadas, sentem culpa. Uma relação afetiva estreita com um adulto que a ame muito e em quem ela confie facilita muito. (Confira matéria sobre como lidar com o perigo da pedofilia).
CRESCER: Marcelo não foi preso pelo que fez. Hoje em dia, você diria que a lei está mais dura em relação ao abuso sexual?
PB: A lei com certeza está mais dura, sim. Antes, bolinar crianças não era tipificado como crime. Hoje qualquer forma de assédio de crianças para fins libidinosos é crime previsto em lei. Material pornográfico envolvendo crianças pela Internet também. Esses são avanços importantes. E a conscientização gradual da população está fazendo com que a sociedade vá destapando olhos e ouvidos, vá rompendo o véu do silêncio e enfrentando aos poucos a situação. Isso é fundamental.
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